VOLTAM A SORRIR OS MANDOROVÁS

Hélio Amaral -jornalista mandruvá

Árvore entre as árvores, para mim é o coqueiro, símbolo da serenidade e do acontecimento, cuja simplicidade tão pouco convencional convida a ir-se achegando e assentando. Entre os seres em pequena escala fico com os mandeuvás. Maravilho-me também como, na generosa crepitação de folhagem do coqueiro, eles vêm aninhar-se na ondulação orgástica do verão. Oh, eis o milagre do ciclo de vida se reproduzindo! Esta ardência e esta frescura desses lepidópteros, aliada à força imperial do aprumo majestoso dos palmares, têm o poder de me inebriar.

Sim, eles voltam a sorrir, os mandoruvás. Fui cego durante muito tempo, para o grande mundo das borboletas, dos coqueirais, das mariposas e dos gervões. Eu que tenho tanto o hábito de passear à deriva pelo espaço bonito do mundo, serei assim tão distraído para nunca ter reparado neles? Os insetos roíam as folhas, uma tensão quase insuportável de sacrifícios e barbárie. Cada ser zunia na combustão solitária e sob o carvão se ouvia a alegria alucinante. Depois principiava a metamorfose das cores, tudo jorrando de si uma claridade que se esfacelava ao nascer do sol. É estranho, como é que o multicolorido dos manduruvás ou sua efêmera aparição, nunca me entraram pelos olhos?

Num tempo em que explorei as várias maneiras de olhar o mundo e de estar em sintonia com o virtual, ver os mandaruvás foi um momento de revelação e de iluminação mental particularmente profundo. A vida humana não se faz sem o calor dos sentimentos, semelhante à avidez desses projetos de vida fugaz, cujas mandíbulas rápidas como o vento retiram a essência do coqueiro para, na primavera, colorir as margens do rio-entre-folhas, de belezas aladas e as casas, de ninfas crepusculares. É preciso coragem para não se queimar na ilusão das lamparinas e não se afogar na águas que correm lambendo os pastos e os barrancos.

Foi pelo coqueiro ter as folhas verdes, foi pelo marandová ter mil pernas, foi pelo coqueiro ter flores amarelas em penca se expandido em cachos de miríades de coquinhos, foi pelo mandaravá ter milhões de cores em metátese que eu me liguei à terra onde são os mais cordiais do universo, para nunca mais me voltar a desligar. Eu via os temporais e pensava na cosmogonia botânica que vicejava sobre os poços dos formigões. As saúvas, passada a fúria das águas de janeiro, subiam para os meus olhos, invadiam-me pelas unhas, brocavam os meus dedos.

Ah Entre Folhas do canário amarelo, do marimbondo engordado de rapadura, da juriti tristonha, do inhambu sorrateiro, do guaxo barulhento a adivinhar a chegada da enchente, da rolinha ingênua e do manduruvá ontológico! Ah Entre Folhas do gaturamo e da cotovia! Sim, deixe que volte a sorrir o mandorová. Naquele campo de luxúria vivia e se amava, porém minha imaginação regurgita, prepara uma invasão e uma estocada geral. Talvez demore muito, talvez como-está-fica, mas é a verdade deste momento.

Hélio Amaral (Rio)

quimquim@terra.com.br