TEORIA DA DEMOCRACIA |
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Wagner
M. Martins UMA “DEMOCRACIA BRASILEIRA”? A
discussão da democracia no atual quadro político brasileiro, coloca
um confronto com os princípios
normativos universais, contidos nos manuais que se propõem à
sua discussão. Não existe a menor dúvida da distância
existente entre o chamado sistema clássico de democracia, numa
mistura de características que vão de um modelo intervencionista ao
ditatorial, criando uma dependência elevada entre as forças
governativas e de conseqüência, um alheamento da sociedade quanto
aos métodos empregados na condução do sistema político brasileiro.
Por demais, não é prudente afirmar existir um modelo acabado e ideal
de democracia, a servir como fórmula pronta e definitiva a ser
imposta a uma nação ou a uma comunidade de nações. A característica brasileira, vai desde o modelo utilizado, até sua forma de utilização em si, com a prática final dos atos de governo que são tomados em detrimento de uma observação mais particularizada dos anseios da sociedade. A participação popular que se quer admitir, carece de interesses duradouros e o descaso é aparente. Ainda que presentes mecanismos garantidores de uma ativa presença do povo nos momentos de discussão das grandes questões nacionais, o interesse particular sempre prevalece ao geral, e esta participação não passa de uma ficção. As
eleições funcionam como um momento telúrico, onde vicejam dois
tipos maiores de interesses: o do candidato que tem como objetivo se
manter no cargo, o que lhe garante uma infindável soma de beneficios
e sinecuras, e o do eleitor que vê nas eleições uma oportunidade de
levar um tipo qualquer de vantagem, utilizando o voto como instrumento
de troca. Estabelece-se neste ato, de forma inversa e corrompida a
realidade do “mercado político” proposto por Schumpeter, onde, os
empresários políticos oferecem os bens e os eleitores os consomem.
De
se entender que a falha não está no modelo em si, mas na forma de
exercitá-lo. As questões econômicas e sociais, a falta de uma tradição
democrática sólida no correr dos tempos, contribuem para a corrupção
do regime e desperta especulações absurdas. A imprensa mostrou
recentemente em pesquisa realizada nos países da América Latina,
grande percentual da população entrevistada favorável a um regime
ditatorial ao democrático. O Brasil não ficou de fora da avaliação.
O clamor das ruas, embalado pela prática de uma política
particularizada e exclusivista, divorciada de interesses maiores soa
quase que uníssono e cada vez mais se acentua essa pretensão
colocando em risco a solidez do regime. Que
mecanismos e que razões nos levam a sentir diante dos olhos, a formação
de verdadeiras castas privilegiadas, dentro de uma sociedade
completamente esfacelada e perdida em escândalos e agressões aos
princípios mais elementares do bom senso e respeitabilidade das
instituições?
O SISTEMA ELEITORAL
Não existe um modelo infalível de democracia em que seus
mecanismos se encaixem de forma a manter uma simetria entre o público
e o privado, a liberdade e o bem estar social. A própria evolução
histórica e política nos mostram essa realidade. Quanto mais
variamos de país mais perto chegamos do entendimento de Robert Dahl
de que “um dos defeitos básicos da democracia é que esta não
contribui com nada mais que uma redefinição formal de uma regra
processual necessária ao atingimento perfeito ou ideal da igualdade
política da soberania popular” (Um prefácio à teoria da
Democracia). Percebe-se a partir desta observação, não ser o modelo
em si o responsável pelo desarranjo intestinal de uma nação. Citando
Jorge Miranda (Ciência Política) Getúlio Marcos Pereira Neves, em
tese de mestrado em Ciências Jurídico-Criminais na Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, define em sentido lato, o sistema
eleitoral como o conjunto de “regras, procedimentos e práticas,
com a sua coerência e a sua lógica interna, a que está sujeita a
eleição em qualquer país e que, portanto, condiciona (juntamente
com elementos de ordem cultural econômica e política) o exercício
do direito de sufrágio” e em seu sentido estrito, “a forma
de expressão da vontade eleitoral, o modo como a vontade dos
eleitores de escolher este ou aquele candidato, esta ou aquela lista,
se traduz num resultado global final, o modo como a vontade (psicológica)
de cada eleitor ou do conjunto dos eleitores é interpretada ou
transformada na vontade eleitoral (vontade jurídica) que se traduz,
nomeadamente, na distribuição dos mandatos ou lugares no Parlamento”. Da
mesma forma que a Democracia, sob a ótica de Dahl, caracteriza apenas
um procedimento para se alcançar um meio, as formas se encaixam a
partir do somatório de vários desses princípios até se chegar a um
fim. Dentre
os mais elementares conceitos de sociedade iremos encontrar aquele que
a define como uma organização dinâmica de indivíduos
autoconscientes que compartilham objetivos comuns. Sem a dinâmica da
organização não há falar-se em sociedade, da mesma forma que
inexiste a possibilidade de uma sociedade desorganizada, pois sua
existência pressupõe a organização. Sem
que seja necessário tecer maiores considerações sobre os sistemas
eleitorais majoritários que em síntese nos interessa, mais em função
de uma inversão de valores, característica marcadamente presente no
sistema utilizado no Brasil, claro
está que
no sistema presidencialista de “checks and balances” o
Parlamento
tem fundamental importância,
senão
a fundamental importância.
A
Constituição de 1988 não trouxe inovações quanto ao processo
eleitoral vigente desde a redemocratização iniciada em 1946. Numa
tentativa de aproximar e inserir a sociedade no palco das discussões
acrescentou ao que já vigia, mecanismos de participação direta
fazendo incluir no corpo da Lei Superior
figuras como o Plebiscito, o Referendum e o procedimento de
iniciativa popular, isso tudo somado à ampliação da capacidade
eleitoral para 16 anos, estendendo-a aos analfabetos. Que virtude prática
adveio deste princípio, a não ser a ampliação da participação?
Nenhum acréscimo de importancia capaz de relevar a proficiência do
regime se extrai da medida eis que, não importa, segundo o raciocínio
clássico o quantitativo da participação, conquanto seja esta
garantida. Até porquê, o plebiscito somente uma vez foi utilizado,
nunca o referendum e o expediente da iniciativa popular não tem
empolgado de forma expressiva, sendo certo que a iniciativa por si só,
também não implica em que merecerá o respaldo das casas
legislativas. Do
ponto de vista da composição das Casas Legislativas, diferente do
que ocorre nos sistemas utilizados por outros paises de democracia
representativa, a Constituição vigente não absorve de forma
expressa uma cláusula excludente direta, capaz de adaptar o sistema
de eleição ao modelo de composição, mantendo o processo da
proporcionalidade, com listas abertas, com o preenchimento das vagas
ocorrendo pelo método divisor D´hondt, aplicado ao sistema de quotas
- apura-se o quociente eleitoral e logo em seguida a quota partidária. O
emprego de listas abertas aliado ao sistema da proporcionalidade expõe-nos
à prática do voto personalizado, sem que isso seja o motivo
preponderante das mazelas sentidas pela democracia brasileira, já
que, tanto o sucesso ou o insucesso do modelo está relacionado com o
somatório de uma série de questões. Por outro lado contribui de
forma contundente para criação de liames umbilicais de
assistencialismo por parte dos parlamentares, fugindo por conseguinte
de suas funções específicas.
Para
alcançar uma vaga no Parlamento é preciso que se alcance primeiro, o
quociente eleitoral, daí a vinculação partidária, para, em seguida
se conseguir a quota partidária que proporcionará a materialização
da representação política. Com o emprego de listas abertas, onde a
mobilidade de cada candidato dentro da lista, depende de sua pontuação
junto ao eleitor, a necessidade de se firmar nas melhores posições
da lista é a garantia de escolha na eventual hipótese de se alcançar
o quociente partidário.
Um quadro partidário eficiente onde se pudesse sentir a prevalência
de princípios mais rigorosos na formação de seus quadros, ainda que
não efetivasse a solução para todos os problemas enfrentados pela
democracia brasileira, bem que poderia influenciar na consolidação
do modelo, já que, a mobilização que se processa dentro das listas
acontece muito mais ao gosto do candidato que da orientação partidária,
positivando grandes reflexos na composição do quadro político e na
definição das políticas públicas.
Regras
procedimentais no dizer de Jorge Miranda, estão jungidas a elementos
de ordem cultural, econômico e política. Valendo-se da deterioração
desses princípios, elementares ao exercício da cidadania, o voto
personalizado, sem a presença de uma ortodoxia partidária, funciona
como mola propulsora para a prática de uma política
assistencialista, presente na relação candidato eleitor, fisiológica
e personalista, no exercício do mandato. Afinal, no entendimento de
Giovani Sartori (cf. Jorge Miranda, Ciência Política, pág 203 e
ss.) sem um sistema partidário organizado, não se passa do
bipartidarismo de círculos eleitorais a um bipartidarismo nacional.
A aplicação do sistema proporcional ou do jogo de soma
positiva, como o quer Sartori, cumpre sua função de forma relativa,
eis que, proporcionou uma grande proliferação de partidos de menor
significância (as chamadas siglas de aluguel), voltados apenas e tão
somente para ampliar a possibilidade de participação popular, o que
não garante e nem significa dizer que a transmigração partidária
entre grupos, com uma mesma característica não represente a existência
de um grupo que permanece no poder e outro que luta pelo poder. O que
se vêm em verdade, no modelo brasileiro, é a existência de um único
grupo que se perpetua no poder, utilizando-se dos mecanismos
proporcionados pela falta de consistência e fragilidade das agremiações
políticas. Assim se explica a possibilidade de uma agremiação
partidária que não signifique nada, em determinado momento e logo em
seguida represente tanto que chega a eleger um Presidente da República
(o caso do PRN). DAS
CONSEQUENCIAS HISTÓRICAS
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