PANORAMA
DA POLITICA BRASILEIRA |
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Wagner
M. Martins FORMAÇÃO
POLÍTICA DO ESTADO BRASILEIRO – ASPECTOS GERAIS
“Como
tapetes flutuantes, elas surgiram de repente, em “muita quantidade”,
balançando nas águas translúcidas de um mar que refletia as cores do
entardecer(...) As aves da anunciação, que voavam barulhentas por
entre mastros e velas, chamavam-se “fura-buxos”. Após quase um século
de navegação atlântica, o surgimento dessa gaivota era tido como
indicio de que, muito em breve, algum marinheiro de olhar aguçado
haveria de gritar a frase mais aguardada pelos homens que se fazem ao
mar: ‘Terra à vista’.” (Viagem do Descobrimento – Eduardo
Bueno – pág. 7) A
descrição montada por Bueno, registra o instante da chegada da
esquadra portuguesa em águas da “terra brasilis” Qualquer
avaliação que se pretenda fazer, tendo como preocupação entender a
política nacional, passa necessariamente pelo entendimento do
significado desta cena. No
entender de Bueno, o que ocorrera naquela terça feira, 21, não chegou
a motivar aqueles homens
temerários, para o fato histórico que se registrava, senão para um
“achamento” que não traria maiores conseqüências nas três décadas
iniciais subseqüentes àquele entardecer de um dia comum do mês abril
de 1500. Basicamente, nada significava, para aqueles homens
comprometidos com o sonho da busca incontida do caminho para as Índias,
a não ser o de um “intervalo idílico em meio a uma longa e
tediosa navegação oceânica”.(op. cit) Se
o aterramento de âncoras não chegou a empolgar os ocupantes da
esquadra lusitana, os anos que se seguiram, basicamente as três
primeiras décadas, serviram como lúmen para a formação de uma
sociedade “errante” em busca de definições capazes de compreender
o pensamento atual. Popularmente
conhecida nas rodas de Europa como
“terra dos papagaios”, evoluímos, e já fomos chamados país
do futebol, país do carnaval, e com certeza, o tão decantado “jeitinho
brasileiro” não passa de uma escaramuça para encobrir as deficiências
contidas na formação de nossa sociedade e que tem incidência marcante
na política nacional. As
conseqüências de uma empreitada desvestida de um viés responsável e
programático, tem sido o condão de direcionamento para o pensamento
político brasileiro, que, se é o que é, tem sua fundamentação
estabelecida nos paradigmas que serviram de base para a construção
desse pensamento. Se
a cronologia dessa formação, não oferece qualquer significado de
preocupação com a formação de uma sociedade estruturada sobre
pilares racionais e comprometidos com a existência do individuo, o que
dizer dos parâmetros de distanciamento entre a formação social e política
da nação brasileira e outros povos que têm no mesmo modal de tempo, a
cronologia inicial de sua formação, a exemplo do que ocorrera com os
Estados Unidos da América? Para
alguns pensadores, o diferencial esbarra em fatores ético-religiosos e geográficos. Se
pensarmos que por volta do Século XVII, o jesuíta Antonio Vieira
incorporava um “eu” psicológico de “jesuíta”, “chefe de missão”,
“réu da inquisição”, “diplomata”, “conselheiro do rei”,
“orador da Capela Real” dentre outros - pairando sobre um estado
incipiente, que não ia além do Estado do Brasil, assim compreendendo a
Bahia e capitanias sob jurisdição do governador geral, juntamente como
o Estado do Maranhão e Grão-Pará - esse prenúncio do que viria a ser
o Brasil de hoje, àquele instante, por força de uma consciência mais
preocupada com o espírito, com o salvífico, que com o racionalismo da
existência humana enquanto ente integrante da humanidade, por certo
representava já, o contexto de influências que a inconseqüência do
“achamento” trouxe para a nação que se formou dali. Segundo
o que se pode apreender, a espantosa obra de Vieira trazia como objetivo “...promover
a integração harmoniosa dos indivíduos, estamentos e ordens do império
português, desde os príncipes da casa real e cortesãos aristocratas
até os mais humildes escravos e índios bravos do mato, visando sua
redenção coletiva como um “corpo místico” unificado. Ao
sacramentar Portugal como nação eleita para estabelecer o Império de
Deus na Terra, o retorno do Messias, Vieira sacraliza a dinastia dos
Bragança, estabelecendo ponderações agudas e misteriosas entre o
ritual católico e a monarquia absoluta definida como instrumento da
divindade. Em seu projeto salvífico, o papel do Novo Mundo é essencial.”(Hansen,
Int. ao Brasil, Sermões, pág. 25)
A metodologia aplicada à terra descoberta, fundada na relação salvífica predominante, resultante do combate às teses de Wittenberg, onde Martinho Lutero afirmava a necessidade de alfabetização como fundamento para aproximar o homem de Deus, através da tese da sola scriptura, aportou em solo brasileiro somente na versão do púlpito, com sua posição elevada e significativa da presença da autoridade do pregador sobre a audiência. A necessidade de se contrapor às teses defendidas por Martinho Lutero, criou uma assimetria lógica e natural entre um entendimento e outro. Se para um, o essencial da aproximação homem/Deus, passava pela alfabetização capaz de garantir a tese da sola scriptura, para o outro, quanto mais distante estivesse o fiel da escritura, mais presente estaria o púlpito, daí que, a proibição da Bíblia, preconizava um reforço ao analfabetismo dos povos sobre influência da doutrina imposta pelo catolicismo. Para Vieira, a virtude estava em se estar sob a proteção do Altíssimo, consistindo esta proteção em uma definição por parte da própria divindade, em se posicionar a favor dos católicos ou a favor dos calvinistas, representados pelo povo holandês, virtude que não se incorporou ao pensamento calvinista das treze colônias do norte. O
Século XVII é marco na formação político cultural do Brasil. Cresce
a nação, influenciada pela convicção de que os indivíduos do reino,
aí incluídos os escravos e os príncipes, estão subordinados á cabeça
do rei. Esse
pacto de sujeição recomenda que a comunidade, se declara súdita,
entregando ao rei, o monopólio da violência militar, jurídica e
fiscal, conferindo-lhe privilégios que o colocam em uma situação onde
não se admite superioridade. Para tanto, deve seguir a lei natural de
Deus para que o seu governo seja legítimo. Essa
visão, consiste e condiciona toda e qualquer tentativa de participação
da comunidade ao crivo da permissão religiosa. Percebe-se nesse
particular a importância que o orador da Capela Real tem nesse
procedimento.
A
força dessa influência pode ser observada nesse pormenor apenas,
enfocado no Sermão XIV do Rosário: Oh! se a gente preta, tirada das brenhas da sua Etiópia, e passada ao Brasil, conhecera bem quanto deve a Deus e a sua Santíssima Mãe por este que pode parecer desterro, cativeiro e desgraça, e não é senão milagre, e grande milagre? Dizei-me: vossos pais, que nasceram nas trevas da gentilidade, e nela vivem e acabam a vida sem lume da fé nem conhecimento de Deus, aonde vão depois da morte? Todos, como credes e confessais, vão ao inferno, e lá estão ardendo e arderão por toda a eternidade,(Sermão XIV do Rosário – Sermões , v. XI, p. 301) Passando
por toda essa formação mística moldada em primados que levavam em
conta apenas a providência divina, o Estado brasileiro se estabelece de
forma artificial. A fé exacerbada nos princípios salvíficos como única
razão de ser dos povos, proporciona o surgimento de uma nação
divorciada das questões sociais domésticas. A cultura local é
massacrada para dar lugar aos princípios alienígenas que atendiam os
interesses de exploração da corte portuguesa. Para
Jessé de Souza, uma situação desta, é suficiente para afastar
sentimentos de natureza nacionalista, como o que se viu na colonização
das nações do norte, firmado como um compromisso de quem estivesse
construindo uma nova nação. A
falta desse sentimento, influenciou profundamente a formação política
da nação brasileira, culminando com o estágio atual em que nos
encontramos, por certo, não muito confortável. O
espectro desse Brasil Colônia, moldado num conceito de profunda dependência
dos céus, é o ambiente encontrado pela emancipação(outro
achamento?) ocorrida em 1822 (Importante, a semelhança que guardam
entre si, os vários momentos históricos por que passamos). Grande
influenciador da emancipação, José Bonifácio, sintetiza o momento
factual de nascimento da nação brasileira, “o
nascimento do Brasil ocorreria sob a preeminência inglesa, com a permanência
da dinastia dos Braganças, que, fugindo das tropas de Napoleão,
atravessaram o Atlântico escoltados pela armada britânica”. No
entanto seu posicionamento vem de encontro ao pensamento salvífico
defendido por Vieira, dando mostras de que a influencia desse período
carecia de ser substituída por uma variante que tivesse como fundamentação
a razão sobre o sobrenatural. O
pensamento de Bonifácio representa uma ruptura com os princípios de
uma sociedade cristianizada, considerados corrompidos e, tidos
como falsos, quando aplicados aos nativos “porque, com o pretexto
de os fazermos cristãos, lhes temos feito e fizemos muitas injustiças
e crueldades”. Sua
postura filosófica é frontalmente oposta à de Vieira. O
posicionamento é sintomático. Percebe-se neste seu posicionamento um
endereço definido. Com isso é fácil de perceber quão forte fora a
influência desse período anterior, para a formação dos conceitos
vigentes na recém formada nação, e que, permanecem presentes
ainda hoje. Com
relação à escravaria, bate de frente com a posição do jesuíta. Rechaça
a argumentação de cobiça dos que, juntamente com o pregador,
acreditam que representa “ato de caridade”, trazer negros da África,
tirando-os de despotismos de régulos locais, longe da luz do evangelho,
trazendo-os para um país doce, fértil e ameno, julgando ser um favor
comprá-los para conservar-lhes a vida, e mantê-los longe da
perspectiva do fogo eterno. 67
anos depois da uma ruptura que separou o Brasil da corte portuguesa, o
pais inicia a segunda quinzena de novembro de 1889 sob a égide do
regime Republicano. A crônica política de então, noticia a tomada do
Campo de Santana por tropas militares. A ruptura que se propõe, teria,
no entendimento de alguns, o objetivo de substituir o país monárquico
católico, por um arremedo de Estado, sem tradições na história
portuguesa e brasileira, anticatólico, cópia do modelo da América do
Norte. Não
foi o Brasil a primeira dentre as nações do continente, a sacudir dos
ombros o peso da dominação colonial. Nada de significativo, trouxeram
os 67 anos que se seguiram. Por essa época, a história registra como
fato de maior destaque uma incursão beligerante até hoje mal
explicada, sobre o Paraguai, num que de dúvida e se sobre influência
do governo inglês, como forma de garantir sua condição de nação
hegemônica da época, assim como a abolição escrava, laborada muito
mais para atender reclames da Inglaterra que para o bem estar dos
negros. Autor
de “A ilusão Americana”, Eduardo Prado, pontua como grande crítico
do novo regime que se instala. A figura de Pedro II, é reverenciada
como o sábio rei civil que freqüentava
bibliotecas, museus e universidades, jungido aos princípios
constitucionais numa clara alusão às lideranças militares do
movimento republicano, que tem como primeiro ato a suspensão do
funcionamento do Poder Legislativo. Em
todo o curso de uma radiografia que se faz do país, a visão que se
pretende ter do Estado, não leva em conta a influencia das pequenas
comunidades, verdadeiro ponto de referência para a estruturação de um
quadro definitivo das instituições, tomando como foco, influências
ainda hoje claudicantes. Vitor
Nunes Leal, resgata no clássico “Coronelismo, Enxada e Voto”, a
participação das Câmaras Municipais, formadas ante a influenciada de
uma cultura patriarcal e religiosa, tendo o latifúndio como palco ideal
para a formação da sociedade contemporânea. Sem a menor dúvida,
que a formatação herdada do modelo implantado no período
colonial, influenciou grandemente nossa formação político cultural. A
abolição do regime escravo, para Gilberto Freire, não foi o bastante
para por fim ao sistema de monocultura latifundiária e proporcionou o
surgimento de um proletariado de condições menos favoráveis de vida
do que a massa escrava (Casa Grande & Senzala, I, pág. 45) Nessas
condições definidas por Freire, é que se dava o exercício do poder,
quase sempre representada pela figura do Coronel, personagem criada no
regime imperial para compor a Guarda Nacional. De
ordinário eram os Coronéis os mais opulentos fazendeiros ou os
comerciantes e industriais mais abastados. Nascida
em 1831, como uma criação dos liberais, a Guarda Nacional varou os
anos e ainda hoje, guarda influência na constituição das forças políticas
locais, sobretudo nos estados mais distantes do centro do poder. Durante
quase um Século, cada um dos nossos municípios mantinha em alerta um
regimento da Guarda Nacional. Se
essa presença marcou o
final do regime imperial, e adentrou pelo limiar do período
republicano, percebe-se claramente uma substituição de princípios,
outrora alinhavados com o caráter salvífico preconizado por Vieira, de
suma importância, que seus tentáculos permanecem nítidos em nossa
cultura contemporânea. Se
o prestigio de outrora se relacionava com o poder de articulação com
Deus, o de agora alia essa vontade ao patrimônio e ao poder de nomear e
exonerar delegados, em troca do voto de cabresto, que garantia a eleição
dos membros do Poder. Tiveram
as Câmaras Municipais grande influência na construção desse modelo.
Sua participação dava-se muito mais pelo distanciamento geográfico do
poder central que pela competência que lhes eram atribuídas. O
seu enfraquecimento ocorre a partir do momento em que começa a ocorrer
uma maior urbanização da sociedade, ocasião em que, o coronel
fazendeiro, é substituído pelo capitão de indústria. Técnicas mais
sofisticadas são utilizadas. O peso do mando é agora medido pelo
volume da conta bancária, a nomeação do delegado substituída pelo
asfalto, o coronel pelo Doutor, mas a característica do prestigio
diante da autoridade superior ainda é marca registrada na composição
de nossas instituições. O
clássico princípio do “checks and balances”, preconizado desde a
edição da primeira carta republicana, extraído do modelo
norte-americano esbarra sempre na figura robusta e petrificada do
executivo. A
proeminência de um Poder sobre e sobretudo a sua personificação,
apesar de já ter dado mostras de sua ineficiência, por estar mais próximo
do messianismo de Vieira, que do racional de Bonifácio, ainda é uma
realidade entre nós. São profundas suas raízes. O distanciamento que
proporcionava uma incursão das comunas representadas pelas Câmaras
Municipais, substituído pela facilidade de acesso e comunicação, ao
contrário de contribuir para uma evolução tem funcionado como forma
de se criar um espectro de dependência entre o poder central e as
autoridades locais, funcionando mais como prepostos em troca de
sinecuras pessoais, próprias de um regime imperial. Não
é a toa que a professora Rosinethe Monteiro Soares, da UNB, assim se
posiciona em texto elaborado para a disciplina História do Legislativo: “Por um lado sempre tivemos Executivos fortes, herdeiros de valores e hábitos de imperadores, vice-reis e prepostos de coroas externas que nos dominaram por séculos. Nossos Legislativos sempre foram um mero poder de resistência nacional, às vezes mais fortes, mas quase sempre tão fracos como os sistemas partidários que buscavam formar, com pouco sucesso”.
Não
houve uma preocupação ao longo da história, com a construção de uma
sociedade com princípios definidos, comprometidos com seus interesses.
No dizer de Fernando Henrique Cardoso, citado pela professora Rosinethe,
“...fomos Estado antes de sermos sociedade. Tivemos um governo sobre um território de habitantes dispersos, tribos de nações indígenas, grupos mestiços segregados do convívio dos senhores vinculados à coroa, negros escravos. A descendência dos primeiros séculos não se mesclou socialmente e quando o fez manteve valores de seus antecedentes.” A
formação de um estado artificial a partir de conceitos técnicos
apenas, divorciados de conceitos de um essencial espírito de
nacionalismo, contrariamente ao que se viu no conceito de ocupação do
hemisfério norte, muito
contribuiu para a fragilidade do sistema institucional vigente no
Brasil. Pelo
que se nota, ainda hoje, nosso rumo é sombrio. Não conseguimos nos
desvencilhar desta síndrome da anterioridade presente no discurso do
Presidente Sociólogo(ou do Coronel Presidente?) BIBLIOGRAFIA: Apostila
– Poder Legislativo – História do Legislativo no Brasil –
Rosinethe Monteiro Soares Apostila
– Poder Legislativo – Panorama da Política Brasileira – Juarez
Guimarães Introdução
ao Brasil – Um banquete no trópico – Lourenço Dantas Mota Coronelismo,
Enxada e Voto – Vitor Nunes Leal – Ed. Alfa Omega – SP - 1974 Náufragos,
Traficantes e Degredados – Coleção Terra Brasilis – Vol. II –
Eduardo Bueno Sermões
– Padre Antonio Vieira – Cultrix - SP |
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