POR VEZES A VIOLÊNCIA!

 

           Helinho reside nu’a pequena “cafua” num vale dentre montanhas de um bairro de Sabará. Por certo  que  não dispõe de nenhum conceito formado sobre violência, a não ser os que lhe chegam  pelas ondas de rádio que sobem o morro, sem precisar de transporte público. Não lê jornais.

Em uma coluna de jornal, num dia qualquer da semana, vejo escrito com todas as evidências que  uma cultura jurídica desenvolvida por um membro do Ministério Público, uma avaliação sobre a lei de Crimes Hediondos, vigente em nosso meio desde muitos anos. De lambuja, vai como brinde, uma chusma de palavras bonitas, sobre o regime prisional.

Na coluna de Cartas, professor da rede municipal, diz como agentes da lei abordam as pessoas nas ruas. Noutro caderno, a notícia de um cidadão de Varginha, morto, dentro da viatura policial, depois de algemado e preso, por haver questionado a qualidade do café que lhe serviram numa lanchonete. Soldado do Bombeiro Militar descobre que policial civil circulava com um “clone” de seu carro. Deputado de Brasília faz manifesto contra a lei de desarmamento. Com esse pano de fundo presencio essas cenas em dois dias seguidos: vinte horas, num bairro próximo do centro, sob a luz de enormes torres de iluminação, numa “blitzen” em via pública um policial militar “enche de tapas” uma jovem de não mais que dezessete dezoito anos. Menos de mil metros e vinte minutos dali, motorista surpreendido pelo fechamento do semáforo, freia bruscamente o seu fusca e com o tranco, a porta do seu lado se abre abruptamente. Uma viatura policial que aguardava a abertura do semáforo, atravessa-lhe à frente, e dois agentes de arma engatilhada, submetem o mulato motorista do fusca, a uma minuciosa e constrangedora revista. O fato se repete no dia seguinte no mesmo local, porém à luz do meio dia; três jovens motociclistas(é preciso dizer que um deles era negro?), são interceptados com arma de alto calibre apontadas para suas respectivas cabeças...

Calma; é preciso ter calma e sensatez, como diz o Lélio Calhau. A sociedade brasileira está prestes a se animalizar. Não se cura violência com mais violência. Uma sociedade mórbida de violência precisa de muito mais que decretos, cadeia, cães, armas e cassetetes, muito mais.

A lei dos Crimes Hediondos, nasceu do inconsciente da dramatização orquestrada por um fato isolado e não cumpriu o resultado que a autora da trama lhe destinou; não fez diminuir o tráfico de drogas, os homicídios bárbaros continuam; Bush sapateia sobre o Iraque sem obter resultados efetivos.

Helinho é negro, pobre, analfabeto e sem coordenação dos sentidos. Passados de uns dez anos, acertou os “vazios” de “Nozin” com um pequeno canivete, provocando-lhe o resultado morte. Indiciado, depois de fugir do flagrante, foi denunciado por homicídio. Motivo fútil. Forma qualificada. Crime hediondo(?). Violência gera violência; eu disse? No bar, quieto em seu canto, Helinho levou um tapa no “pé do ouvido” e reagiu. Não era o pateta de hoje; tinha toda a noção do que fazia, sim senhor.

Nomeado para a defesa, fiz o júri de Helinho. Usei como teses de defesa, a Violenta Emoção e a Legítima Defesa própria. Venci na segunda tese. O Conselho de Sentença, reconhece o fato mas o livra da pena. Na platéia alguns radicais me censuravam: por que defender Helinho se ele matou? Me socorro do Dr. Lélio Calhau. Uma teia de decisões e opiniões são plantadas em nosso meio, sem qualquer balizamento científico. Fruto do imediatismo, da cegueira e do preconceito social, da corrupção (o danado do jeitinho brasileiro!), da avidez pelo lucro fácil, do vedetismo, dos holofotes da mídia, e muito mais. A banalização dos costumes, da vida, chega-nos pelas ondas parabólicas. Astros do cancioneiro popular, apresentadores de televisão, comentadores de rádio, políticos de origem duvidosa, vítimas ensandecidas, se transformam em cientistas do comportamento, criadores de normas, juizes “do eu acho”, ávidos de sangue e de vingança, o que não é bom para a verdadeira justiça.

Nessa mesma semana, Cesare Lombroso, serviu de balizamento para um Assistente de Acusação pedir a pena máxima em um julgamento em Belo Horizonte. O mundo civilizado rompeu com Lombroso. Nós o estamos resgatando, pelo simplismo de achar que acabaremos com as formigas pisoteando-as debaixo da laranjeira. Precisamos de um conjunto de leis cientificamente  adequadas à nossa realidade, de um judiciário comprometido, um Ministério Público vigilante, uma polícia mais cientifica e menos torturante, de Políticos e não de “políticos”, de um sistema prisional recuperante, e de uma imprensa livre, porém formada por mais jornalistas e menos mercadores, preocupados mais em informar que vender. O futuro nos aponta um horizonte de gaiolas. Depósitos de presos distantes, sem qualquer direito, longe das ruas, para que as mercedes rodem despreocupadas.

Nosso sistema prisional é fabrica de monstros. Não tivesse vencido o júri, Helinho estaria no cárcere sem direito a progressão de regime. Helinho não é um homem perigoso, vive de catar latinhas, depois de um derrame cerebral que lhe deixou pequenas seqüelas mas que perturbou-lhe a mente; já não sabe dizer a idade que tem, mas não voltou a delinqüir e nem aceita essa hipótese.

Wagner M. Martins é advogado criminalista
24/03/2005

   

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